15 maio 2008

a casa dos meus pais

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É um quadro enxaquecoso – disse a médica.
A minha dor de cabeça resumida nessa palavra sonora e cômica. En-xa-cue-cuoso. Não se leva a sério uma dor com esse nome. Eu queria um diagnóstico agudo, pontiagudo, que descrevesse turbinas inflando a cabeça, que justificasse não ter vergonha de vomitar no táxi a caminho do hospital. Uma coisa mais sólida, mais trágica, mais nobre, que me fizesse passar a noite na casa dos meus pais.
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Faz anos que aquela casa não é mais minha – é a casa dos meus pais, de onde a gente sai porque a vida segue. Um lugar de onde a gente sai deixando armários longe de estarem vazios, uma série de livros lidos e todas as roupas de inverno. Um dia a gente passa por lá para pegar alguns casacos porque o inverno chegou. Outro dia, porque mais cedo ou mais tarde, tem jantar na mesa. É a casa que recebe os netos quando os pais estão ocupados ou mesmo desocupados. É a casa que guarda os brinquedos que passaram da idade, mas que ficam lá, porque sempre tem alguém que resguarda as lembranças. É a casa que você conviveu com seus avós, quando eles já estavam na idade de serem avós. É o endereço onde chegam suas correspondências sem importância. Melhor chegar lá, do que chegar em lugar algum. É onde seus amigos supõe que você esteja quando não está em casa. É a casa que você melhor conhece, até mais do que o seu próprio lar-doce-lar. É a casa que você quer opinar na época da reforma. É a casa que você faz planos mesmo não sendo sua. É onde você acha que tem direito de parar na vaga bem em frente, porque afinal, a casa é dos seus pais.
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É a casa que você pendurou fotos, posters e quadros, escondeu coisas secretas, pulou muros para entrar pelo quintal. É o lugar que muitas vezes te fez reclamar do barulho tão cedo de manhà e sob as cobertas, via a luz sendo acesa para avisar que a hora já se passava. É a casa que tem batentes ocos e fechaduras emperradas porque quarto de criança não se tranca, apenas se encosta a porta. É onde, mesmo sem dizer, a gente sabe que quarto dos pais só pode entrar se a empregada estiver limpando, ou quando filhos sonham mal.
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Foi nesse quarto que a mãe cedeu a cama para que a filha - tão cansada da vida e tão ansiosa pelo futuro imaginado – fosse acolhida naquela noite. E a filha se deitou sem se queixar do dia que estava terminando, com os olhos semi-cerrados para que não se revelasse uma dor de cabeça já distante. Para que ela pudesse ficar deitada reconhecendo o cheiro das pesadas cobertas daquela cama. Para que ela dormisse ao som das tigelas de porcelana sendo empilhadas nos armários de 2 portas. Para que ela lembrasse de todos os sons da cozinha após o jantar. E que assim, momentos mais tarde, a mãe pudesse entrar no quarto em silêncio para cobrir a filha que dormira feito criança.
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6 comentários:

Laura disse...

Ai, NIna... que coisa mais linda, mais perfeita, mais sutil, mais aconchegante.... É tudo isso mesmo... em cada detalhe... senti uma dorzinha ao lembrar que a minha " casa da infância" hj é uma clínica médica... ainda assim, a casa da minha mãe hj, me inspira todas essas boas sensações apesar de faltarem as lembranças, os cheiros e os sons...
Um beijo quentinho pra vc, fique bem...

Anônimo disse...

casa de mãe tem colo.... eu estava precisando de um, fui procurar lá e achei. dormi feliz por isso.
beijo prá ti tb!
nina

Lilian Frabetti disse...

Oi Nina a gente as vezes precisa se dar o direito de querer colo sim, eu sempre que posso vou lá "em casa" e lá eu sou só filha, é lá que eu penso na vida, eu ouço as histórias, ganho mil carinhos, recarrego as baterias e volto para a vida lá fora.

Anônimo disse...

Lih,
Na casa dos meus pais tem um freezer com uma gaveta cheia de picolés de frutas. Agora não tão cheia porque eu comi vários. Casa que tem remédio para alma é o máximo, não?
beijo
nina

Lilian Frabetti disse...

Minina se não vai acreditar mas o freezer da casa dos meus pais tbem tem picolés de fruta...sempre...e aqueles sacolés também que minha mãe faz e meu pai torra amendoim pra mim, um amendoim grandão(nem sei como chama) mas é uma dilícia, sem dúvida remenda qquer alminha carente...rs
bjão querida.

nina disse...

Tem sabores que só os pais sabem dar aos filhos...
Lih, bonito isso.
bj
nina