05 maio 2008

diálogos

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diálogo 1
felipe e amigo no carro, à caminho do aniversário de um terceiro amigo

– Eu já sei que existe o mosquito da dengue.
– É, eu também já sabia. Ele pica, mas se passar repelente, não pica. Na escola tem repelente.
– E tem o mosquito do sono também, não é tia?

(a 'tia' sou eu, que sigo apenas como ouvinte-motorista)
– Mas o mosquito do sono fica no outro planeta. Aqui é o outro planeta?
– Ele pica assim ó, aqui ó – e aí você dorme para sempre – que nem ele picou aquela menina.
– Que menina?
(ressabiada, entro na conversa)
– Aquela menina que foi fofocada.
– Fofocada? E o que é ser fofocada?
– É quando a gente ri muito e não consegue respirar direito.


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diálogo 2
dois personagens em meio a preparativos

– Santíssima criatura! O que você fez com a sua pele? Pelo menos podia ter tomado um solzinho antes de chegar aqui, né?
– Essa vida é tão corrida que não dá tempo de se preparar para nada. Essa é a verdade.
– Menina, menina. Vamos ver o que eu posso fazer com você. Olha essa luz aqui batendo no seu rostinho. Deixa você tão branquinha, tão pálida. Sei..., ainda bem que todo mundo só vai te ver à noite.
– E a roupa, onde colocaram a roupa?
– O pior é que todo mundo vai querer te ver de perto. Querida, fica tranqüila que eu vou caprichar, tá? Você vai ficar linda, um arraso! Haroldo, me ajuda aqui!
– Você viu onde deixaram as roupas?
– Haroldo, será que dá pra me ajudar aqui? A roupa é por último! Ai moça, que cabelo ensebado é esse? Nem lavou o cabelo?
– Ela chegou de cabelo preso.
– Vamos ver.... Será que tem algum chapéu aqui? Ai, ai, ai.... ela só vai aparecer à noite.... e chapéu é coisa para usar de dia....
– Coloca as flores, uai.
– Uma coroa de flores? Na cabeça? E por acaso você sabe que tipo de flor que vai ter na igreja? Hein Haroldo? Tá louco? Imagina se a gente coloca rosas e o resto das flores é tudo do campo? Vai ficar horrível! Vão vir reclamar, tenho certeza! A mãe e o marido. Não, o marido não, porque homem não repara nessas coisas.... Mas a mãe, viche, aparece cada uma!
– Só algumas florzinhas eu disse.
– Lembra daquela louca que esperou todo mundo ir embora pra vir aqui pedir o dinheiro de volta? Megera. Ela ia sustar o cheque só porque eu usei sombra azul e não verde.... A moça não falou nada, achei que podia escolher a cor. E o pior é que eu fiz mágica, porque aquela mulher estava horrível. E a moça mesmo, nem voltou pra reclamar.
– É só puxar o cabelo para trás.... assim...
– Pense meu rapaz, pense Haroldo, porque a gente não tem todo o tempo do mundo.
– Vai por o véu por cima, não vai?
– Anda Haroldo, pega lá o estojo de maquiagem! Tem que ser aquele rímel que não borra com lágrima, viu? Daqui a pouco vão chegar pra buscar a moça e a gente nem passou o pó de arroz! E presta atenção: a próxima que chegar, você é que vai fazer tudinho, entendeu? Só vou ficar olhando.
– Sei... até parece. Você não agüenta. Não deixa fazer nada! Parece até que gosta de ficar vendo gente pelada...
– Tá falando que eu sou tarado, é? Tá me chamando de assanhado, é? Olha querido, eu estou fazendo o sacrifício de ensinar tudo, tudo, tudo o que eu sei. É o meu talento, então cala essa sua boca e olho aberto! Não moça.... só o Haroldo fica de olho aberto. Você, minha querida, nada de abrir os olhos. E nem precisa fazer biquinho pra passar batom, tá. Na boca é só uma pinceladinha de cor-de-boca. Fica um charme.
– E o blush?
– Cadê Haroldo? Cadê as roupas? Tem que vestir antes senão estraga a maquiagem! Já te falei quantas vezes? Ai moça, não repara tá.... Eu fico aqui sozinho o dia inteiro com o Haroldo e tem dia que não dá! Eu pago todos os pecados! E ainda tenho que pensar em tudo! Tudo eu, tudo eu!
– Você vai querer ver as roupas antes de colocar?
– Claro, né meu anjo. Nem parece que a gente faz isso todo santo dia! Olha só, essa blusa é daquela marca chique que vende na Daslu! Vai, esconde no banheiro e pega aquela parecida pra colocar.... E essa saia, ai que pobreza.... nem tem etiqueta.....pode colocar essa mesmo. Anda Haroldo!
– E os sapatos, vai querer? É número 38.
– Tem outro 38 aí? De que cor é? Preto? Nossa Haroldo, pega sim, tá novinho. Lá no armário tem um 35. Corta o calcanhar e só encaixa por cima dos dedos, assim ó, e cobre com as flores. Dá uma disfarçada... Rápido, que acho que eles já tão vindo buscar a moça.
– É o pessoal sim – olha o carrão que vai levar o caixão da dona!
– Acorda pra vida Haroldo! Dá uma enrolada neles, só falta encher de flores e colocar o véu por cima!
– Mas e o blush?
– Que blush que nada! Vai sem blush mesmo! Ela tá até meio coradinha! Até o velório começar, já vai ter anoitecido. E quer saber, ninguém repara no morto mesmo. Todo mundo só olha pros vivos que estão chorando!

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2 comentários:

Lilian Frabetti disse...

Menina que coisa...viajei nesse diálogo,...o que a princípio parecia ser um casório, virou um funeral. E o duro que é assim mesmo que acontece...rs
Bjus.

nina disse...

lih, tem hora que a gente tem que rir da morte.... ninguém é de ferro...
beijo