08 maio 2008

... e lá no LV da Fal

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(...) Nunca seja breve escrevendo aqui, a gente te adora dum tanto que nem dá pra explicar.Eu sou da turma do café da manhã. Vc é da turma dos embalos notúrnicos?

Fal, em resposta ao meu post

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Eu também escutei um papo de que as coisas ficariam mais amenas depois de ½ ano. No primeiro minuto depois desse ½ ano, vc abriu a janela do seu quarto e foi banhada por um lindo arco-íris. Não aconteceu isso com vc? Acho que te enganaram. Eu chorei muito, mas muito mesmo! por um ano e mais. Pouca gente sabe disso, porque chorar de verdade, de doer até o cabelo, eu só conseguia quando estava sozinha. Chorava tanto que tomava soro caseiro para não desidratar. Todas as primeiras datas são uma merda. O natal é um cocô, reveillon não devia nem existir, o meu aniversário foi péssimo e o do João que não aconteceu, então nem se fala. Só salvou o niver do Felipe, era meio uma compensação, tinha que abstrair algo. Consegui pisar no cemitério depois de 9 meses, no dia que ele teria feito 37 anos. Depois disso, só voltei lá pra cumprir protocolo de finados. Quem te dá prazo para parar de chorar não tem fé nem compaixão. Tem uma imagem mto bonita que a minha psicóloga usa para descrever essa dor que só dói, que só paralisa, que não cria nada, que apaga toda e qualquer luz frágil e trêmula no fim do túnel. Ela diz que a dor é como um sabonete - vai se gastando. Só de deixar na água, já vai diminuindo lentamente até dissolver tudo... Mas se a gente souber usar esse sabonete, a espuma leva embora a dor pelo ralo e só fica o perfume das lembranças. Achei isso lindo. Quando toco a dor, tento tocar com vigor. Não quero colecionar sabonetes. A única coisa que ela não disse era que o sabonete é em barra, sabe, daquelas grandooooonas...

Dá para ver como hoje eu choro bem menos? Consigo até fazer uma piada ou outra daquilo que me fez chorar muito. Mas veja bem: só eu posso fazer piada disso. Só eu posso rir de mim, porque só eu sei o que é essa dor. Ninguém nunca tente ousar rir de uma piada que só eu posso fazer. Porque ninguém no mundo tem a mínima idéia do que é ver a pessoa que você mais ama morrendo em seus braços e você subestimando a realidade e achando que a sua vida vai mudar só um pouquinho de um dia para o outro. Porque ninguém no mundo tem um pensamento guardado no íntimo do íntimo da consciência que te faz perguntar se você agiu certo, onde foi que falhou, onde foi que deixou de ser perfeita para conseguir responder uma simples pergunta do filho “se eu não tenho pai, o vovô pode ser o meu pai?”. Porque ninguém sabe como é querer ter uma segunda chance daquilo que foi. E se conseguir voltar feito déjà-vu, mesmo em sonho, lá no fundo você sabe como a história acaba. Ou uma segunda chance daquilo que ainda virá e que se transforma num temor comedido porque você tem medo de que aconteça de novo e não quer passar por aquela dor que não dá para ser sentida duas vezes na vida. Fal, eu choro bem menos, é verdade, mas talvez ainda seja com a mesma intensidade.
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Não disse? Eu começo a escrever e quando vejo, tem páginas e páginas de blábláblá. E sobre os posts notúrnicos, agora que eu choro menos, sobra mais tempo para ter insônia. É uma bosta ter insônia. Por outro lado, é a única hora que filho, cão, peixes e obra no terreno do lado estão dormindo. Aí fica eu e mais eu conversando. De qualquer forma, é uma bosta ter insônia.
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nina em post no
LV do Drops da Fal
Fal querida, foi você que deixou eu descambar...

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8 comentários:

Lilica disse...

Nina, cheguei aqui através da Fal. Eu adoro ler qdo vc escreve lá.
E sinto muito pela sua dor...

Qto ao Dogville, é o filme mais angustiante que eu já vi na vida. Angústia, é esse o sentimento. Tem tb o medo de encarar que o mundo é daquele jeito ali, que as pessoas, no fundo, são más.

Eu consegui ver só da segunda vez. É um filme muito difícil...

Beijos

Laura disse...

Oi, NIna, tb achei vc pelo lv da Fal. Sinto muito mesmo por toda sua dor. Eu, por pura sorte, ou acaso, ou Deus, ou destino ou whatever, não perdi meu marido no avião da TAm que explodiu no ano passado, pq o embarque foi encerrado na pessoa que estava na frente dele. Porém, já perdi meu pai, meu irmão e o que mais me dói, um filho. Eu te entendo quando diz que hj vc chora menos, porém com a mesma intensidade. Eu tb sou assim. Já faz quase 6 anos que meu filho se foi, e ainda hj dilacera... e eu posso estar dando gargalhadas, mas de repente, baixa uma coisa em mim e eu desabo. No final das contas, eu to me conformando que vai ser assim pra sempre. Eu vou estar velha e, se minha flexibilidade permitir, ainda vou sentar no chão do box e me desidratar de tanto chorar.
Adorei seu blog. Vou linkar vc no meu e aproveito pra pedir permissão pra transcrever alguns trechos daqui, claro, tudo creditado.
Um beijo carinhoso...

Anônimo disse...

Nina

Eu gosto tanto de ti, que vou te confessar algo...Meu marido me chama assim "Nina"...É a única pessoa no mundo que me chama assim...Sem ele, eu perderia o ar, o chão. Eu já disse pra uma amiga comum (nossa!!!) que esse era meu maior medo...E eu sinto, sinto tanto que tenha acontecido com voce!!! beijos...

nina disse...

Alline,
seja bem vinda!
obrigada por me explicar porque o universo se encarrega de não me deixar ver dogville... tudo se justifica...

nina disse...

Laura,
dor não tem unidade de medida, dor não tem escala, dor não se compara, mas eu imagino o que seja a dor de perder um filho. Ou melhor, prefiro não imaginar, porque beira a dor insuportável - que nem o tempo, nem a vida preenchida de outra forma vai diminuir a intensidade do choro.
Dê um abraço longo no seu marido - pode ser uma forma de conter a dor e expandir aquilo que a gente nomeia como amor.
Será uma honra estar no seu blog e tê-la aqui no meu.
obrigada pelas suas palavras honestas.

nina disse...

Mani querida,
tudo isso tão lindo que você disse para mim, não esqueça de dizer para quem te chama de nina.... fazendo isso sempre, o seu medo até fica menor - eu te garanto.
obrigada por compartilhar sentimentos tão pessoais.
beijo grande!

Luci disse...

1/2 ano?
já tracei no calendário...alguém já me lembrou que 12/06 serão 50 dias. ele fazia aniversário 19/12 e 24/12 serão 8 meses.
contas absurdas!
não quero pensar assim. estou vivendo um dia de cada vez. não tenho ainda coragem de escrever sobre o que sinto, apenas aquilo que está lá - meio 100nexo.
gostei da metáfora do sabonete e 100querer é assim q tento pensar: só nas coisas boas, as más estão se diluindo... em lágrimas.
continuo achando surreal.
grande beijo, Nina!

Anônimo disse...

luci
não existe matemática alguma que consiga justificar essa lógica da vida - nem matemática, nem física, nem química... só história - a sua História
bj
nina