17 outubro 2009

profissão leitor


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Felipe está descobrindo o universo fascinante da leitura. Ter a autonomia para decodificar uma palavra, repeti-la e compreender o contexto de uma frase. Isso me soa complexo demais para uma criança de 6 anos, mas todos nós começamos assim, não? Mesmo gaguejando, sem saber identificar as proparoxítonas em entonações que causam estranheza, a curiosidade do “ler e entender” deixa o erro de lado.
Um mundo se abre no ano da alfabetização.
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- mãe, o que é cupece?
- é o nome de uma avenida
- aquele “av” é avenida?
- é sim.... é uma forma mais simples para escrever avenida
- como o “v” de vila madalena?
- isso mesmo
- mas lá tava escrito v. mariana
- porque é um outro bairro
- o que é uma avenida?
- as ruas largas são chamadas avenidas
- não são as estradas?
- estradas são....
- ven-de-se ess-sse e-di- e-di-fi-ci-o.... vende-se esse edifício... tão vendendo esse prédio!
- muito bem filho!
- lo-tê-ri-ca sôr-te.... lotêrica sorte.... lotêrica?
- nossa, você tá lendo tudo!
- eu sou um leretrista?
- leretrista? o que é isso?
- é quem lê tudo que tá escrito ué!!!
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imagem: crie sua própria placa de rua
http://marmota.org/placasp/
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16 outubro 2009

foco

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não tente lapidar a minha raiva
eu gosto dela bruta
faz-me olhar para frente
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29 setembro 2009

desgarrada

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"estou des-existindo do orkut"
isso poderia ser post do twitter
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imagem: sky blue sky, wilco
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24 setembro 2009

f-a-d-a-n-d-o

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FADAR
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verbo transitivo
1. Predestinar
2. Derterminar a sorte de
3. Dotar
4. Vaticinar
5. Prognosticar
6. Auspiciar

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Será que a minha vida é fadada a mudanças bruscas?
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Existe diferença entre fadar e foder?
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imagem: o shit box está a venda na firebox.com
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19 setembro 2009

de olho na carniça

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tem urubu ciscando na minha praia
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ei, você aí do outro lado!... vê se manda alguma luz!!!
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17 setembro 2009

narrativa

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(parte 1)
Mãe!!!
Cadê a água que tá entrando?
E a que tá saindo vai entrar por onde?
Tudo isso vai ficar molhado?
Elas vão se afogar?
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(parte 2)

Tem uma querendo fugir... eu posso ajudar?
Se ajudar a salvar alguma eu vou ser engolido pela água invisível?
Ainda bem que os azuis sabem nadar.
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(parte 3)
Mãe!!!
O azul tá ficando vermelho!
Eu não consigo ver mais nada!
Fica tremendo muito rápido!
Vai explodir! Mãe! Vai explodir!
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(parte 4)
Ainda não explodiu!
Tô segurando para não voar!
Se voar vai explodir?
É pra eu desligar?
Posso desligar? Posso? Mãe?
Tá tudo destruído!
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(parte 5)
Cuida dessa, mãe.
Essa tava muito afogada.
Depois ela ficou murcha.
Estica mãe, estica para ela respirar.
Pendura no sol que ajuda.
O sol é bom.
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parte 1: completando o nível de água
parte 2: lavagem
parte 3: enxágüe e início da centrifugação
parte 4: final da centrifugação
parte 5: secagem

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Narrativa do Felipe para o módulo de lavagem econômica na máquina de lavar roupas de 6kg da Brastemp.
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imagem:
www.yousustain.com
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16 setembro 2009

pretérito imperfeito

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amanhã, o lugar onde eu ainda te vejo, não mais existirá

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parece que estão tirando de mim o que sobrou de você

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é como se a gente não pudesse ter a nossa história
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08 setembro 2009

palavras cruzadas

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- como era mesmo o nome do gandgista mais famoso?
- nome do quê?
- Al Catino? Al Corone? Al Capito?
- Al Capone, mãe....
- Al Capone!!!... cabe direitinho filha!.... Al Capone é com “L”??
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07 setembro 2009

bonança

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happy gas station
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06 setembro 2009

hello kitty sucks

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Eu sei gente, eu sei.... o post anterior não é doce. Nem um pouco. Eu escrevi para ver se diluia um pouco a vontade de socar uma fulana. Um bicho quis pular no pescoço dela. Um instinto nada nada cor-de-rosa.
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05 setembro 2009

fúria

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Fica tranqüila sua vagabunda. A tua mente é muito mais perversa e suja que a dele. Se existe algum sentido sexual, só tá na tua cabeça deturpada – e você deve odiar o mundo porque nenhum tarado te atacou até agora, não é? Esse seu pudorzinho dissimulado me dá asco. Eu não tenho culpa se o seu marido não te come direito.
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E sobre a história da bolha, acho bom você ampliar as leituras além da revista Nova. O mundo é cruel mesmo, ainda mais com gente tapada.
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02 setembro 2009

não rola

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O chuveiro de casa está tão desregulado que a água sai fervendo.... com o couro cabeludo queimado, eu penso todos os dias no eletricista que eu deixei de ligar.
Hoje criei coragem e.... desliguei o chuveiro. Felipe e eu tomamos banho gelado. O que deveria ser relaxante, acabou me deixando mais acesa.
Banho frio antes de dormir não funciona.
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Arrancar carrapato com unha curta não funciona.
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Interromper um episódio do House para (ter que) brincar de Harry Potter não funciona.
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Corinthians fez 2x0 no Santos. Perder o replay dos gols não funciona.
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Ser a dona da verdade não funciona.
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Achar que o seu problema é simples o suficiente para furar fila, não funciona.
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Receber o 13° salário em setembro não funciona.
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Confirmar que o fulano é um bosta e mesmo assim ficar quieta, não funciona.
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Ver na internet que vai ter chuva no feriado, não funciona.
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Pensar que existe 99% de chance de esquecer de chamar o eletricista amanhã, não funciona.
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28 agosto 2009

one, two, three years

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Renúncia
Manuel Bandeira
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Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
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Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...
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A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
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E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...

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- Então terminamos por aqui. Tem mais alguma coisa que queira me perguntar?
- O senhor está me dando alta?
- Já deveria ter dado mês passado, lembra?
- Tem certeza?
- Sim, tenho – e você também provavelmente tem.
- Eu sei doutor, eu sei.
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Dia 26 último, completou-se o terceiro ano da morte do João.
Após dois dias, tive alta do psiquiatra. O que será que me vem pela frente?
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imagem:
http://openclipart.org/media/files/rgesthuizen/5425
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22 agosto 2009

agosto

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mês de poucas palavras
mês denso
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agouro
corte
morte
fotos
retoque
layout
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dúvida
dívida
dividida
taças
carmenère
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aulas
terapia
gasolina
finanças
retorno
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hora
ponteiro
cheiro
recreio
espelho
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afasto
agosto
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21 agosto 2009

correção

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hierarquia
bendita hierarquia
existem os maiores e os menores – nesta ordem
nem a natureza, nem a lei, nem o golpe, nem a esperança mudam
.........Essa ordem
.................Da hierarquia
Dela sim – o tempo, somente ele – quebra suas pernas
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Passei a semana inteira pensando:
Okuribito e Santiago não são opostos. São complementares.
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Perdoe-me o erro.
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seqüência de imagens de Pablo Picasso: (1) The Bullfight; (2) The Picador; (3) Bullfight I Horse Air
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20 agosto 2009

repetição

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(...)
Essas imagens são de Viagem a Tóquio, um filme de Ozu, o cineasta cujos enquadramentos severos me influenciaram na época em que filmei Santiago.
Ao fim da história, a filha caçula pergunta: “A vida não é uma decepção?” Sua cunhada responde com um sorriso franco e generoso: “Sim, ela é”.
Acho que é uma resposta que Santiago compreenderia. Enquanto viveu, ele se ocupou com seus nobres e suas castanholas. Foi salvo por coisas tão gratuitas quanto a sua dança no parque de que gostava tanto. Com elas, quem sabe?, pôde suportar a melancolia de quem suspeita que as coisas não fazem mesmo muito sentido.

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Trecho final de Santiago (por escrito) de João Moreira Salles. Esse filme, o homem Santiago, o Salles, a piscina da casa da Gávea, as mãos, a cabeça caída, o latim e o sotaque carioca, a ordem dada, o tempo, Marselhesa, o abismo, Fred Astaire, C’est tout. C’est tout. Nada disso sai da minha mente.
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19 agosto 2009

bilheteria

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No final de semana assisti Slumdog Millionaire (Quem quer ser um milionário). Tenho minhas dúvidas se mereceu o Oscar, mas de qualquer forma, gostei do filme. As tomadas de câmera do Danny Boyle chamaram minha atenção desde Trainspotting. Apesar do final circense, o roteiro é muito bem amarrado, puro entretenimento.
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Segunda feira, digeri o filme francês Entre les Murs (Entre os Muros da Escola). Literalmente um soco na boca do estômago. Demorei para pegar no sono depois de desligar a tv.
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Okuribito (Departures) aconteceu na terça feira. Sem palavras. O cinema japonês me enche de orgulho.
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Quarta feira foi preenchida por Santiago, documentário de João Moreira Salles. Os dois planos das mãos dançando são impecáveis. Diria que a mensagem é a oposta de Okuribito. O que fascina é que é tão belo e cativante quanto.
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Para uma noite simpática de quinta, revi o ótimo Vicky Cristina Barcelona. Estou aprendendo a admirar Woody Allen. Minha apreciação ainda está nos primeiros passos – e nada melhor que esse filme para aprimorar o gosto.
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Sexta foi o dia de Milk. Sean Penn é Sean Penn. Indiscutível.
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Outro final de semana está por vir e percebo que aquele primeiro da lista, o tal do milionário, ficou pequeno, pequeno.... quase insignificante....
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10 agosto 2009

amanhã

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você sempre me deu motivo para esperar o dia seguinte
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30 julho 2009

calendário

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Não existe um só dia em que eu não sinta sua falta.
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imagem: Eze, Maureen Love
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29 julho 2009

miguelito

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Retomei as aulas de inglês depois de quase 20 anos. Estou adorando. No trânsito, fico fazendo meus discursos do Oscar – em inglês – just to practice.


Um dia eu vou gravar e youtubá para vocês escutarem.... são muito idiotas....
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O blog também está abanando a poeira.


Entrei na página dela e li todos os links que estavam lá.
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Blogícias
Dancing Queen

Diary of a Sweet Bug
A mid summer vacation day.

DunDun Mommy
First piano lesson

nana-nina-não?
come and go

Tentadora travessia
GIRAMUNDO

The English Workshop
Enjoying summer.


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putz.... tudo in english.... até o meu post tem título gringo... só mesmo meu grande amigo galego que é fiel às raízes
eu precisava te dar la enhorabuena
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28 julho 2009

come and go

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terça feira, placas finais 3 e 4

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The Visitor, filme belíssimo depois de um jantar no Vito
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antes de deitar, música magnífica no fone de ouvido

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End of the Road
Eddie Vedder
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I won't be the last

I won't be the first

Find a way to where the sky meets the earth

It's all right and all wrong

For me it begins at the end of the road

We come and go...
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Do caralho – boa noite.
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imagem 1: Restaurante Vito R. Pascoal Vita, 329, Vila Beatriz, tel.: 3032-1469
imagem 2: cena do filme The Visitor, de Tom MacCarthy

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24 julho 2009

a gripe nota A

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Senha 4211” – piscou o painel.
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- o que a senhora está sentindo?
- dor no corpo, dor de cabeça, calafrios, enjôo, muita coriza
- febre?
- sim
- tosse?
- pouco
- esteve no exterior nas últimas duas semanas?
- não
- é só a senhora aguardar na recepção que vão chamar pelo número da senha... o tempo para atendimento é de aproximadamente 4 horas.
- 4 horas?
- a procura está bastante alta... se o caso da senhora for considerado grave, será dada prioridade
- eu mal me agüento em pé.... vou ter que esperar 4 horas para saber se o meu caso é grave?
- não, não.... a senhora vai primeiro passar pela triagem... em no máximo 2 horas.
- ok, obrigada
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A fim de entreter a espera das breves horas numa disneylândia de vírus e bactérias, a tv fica permanentemente ligada, sem som, apenas com “close caption” – aquela legenda feita ao vivo, com um monte de erro de digitação. A repórter do jornal Hoje da rede Globo dizia: Saõ Paluo e Paraná confirmam mais 2 morrtes pela gripe A (H1N1(). Já saõ 22 as mortes no Brasil.
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Nas primeiras duas horas de espera fiz algumas especulações. Como um hospital de gente chique do Morumbi, de gente informada, esclarecida, cheirosa, de pele bronzeada em pleno inverno, que usa bota-cano-alto-de-couro-de-verdade sobre a calça-jeans-Diesel-original, estava tão lotado daquele jeito? Vi que estava numa bela roubada, rodeada de gente que vive indo pro exterior, que foi dar uma esquiadinha em Bariloche, fez um pit stop em Buenos Aires e voltou com o sintoma da gripe. Aposto que se eu dissesse que tinha vindo de Osasco, aquilo esvaziava num instante.
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Delícia de tarde. Impossível não deixar transparecer um certo incômodo quando alguém próximo de você tosse sem cerimônia. Segundo a etiqueta da gripe, é elegante cobrir o seu cuspe de gotículas com um lenço descartável. Diria que é no mínimo, ter um resquício de bom senso. No entanto, em menos de 10 minutos naquela recepção, percebi que tanto fazia usar máscara, lenço kleenex, manga de blusa, palma da mão, ou nenhuma das anteriores: o barulho da tosse é arrepiante de qualquer jeito. Aquilo é o som da gripe. Com um pequeno esforço imaginário, o cospe-cospe de tosses, resmungos, gemidos, criava o coro irônico dos nossos irmãos suínos nos lembrando que a vacina ainda só foi desenvolvida para os quadrúpedes. Há-há-há-oinc-há.
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Apesar da cabeça latejando e os olhos espremidos, deu para reparar em um monte de gente. Tinha a mãe e a filha, vestidas de par de vaso, mesmo corte de cabelo, bolsas iguais, unhas impecáveis. Nem pareciam doentes. Encontraram com um amigo do clube Paineiras que ficou espantado em vê-las ali. Elas disseram que estavam com tosse. Eu fiquei pelo menos 2 horas e meia sentada na frente delas e não notei elas tossirem. Deviam ser figurantes.
Tinha o chefe moderninho dando esporro em todo mundo do escritório pela câmera do netbook porque deu merda em alguma coisa.
Tinha a moça que só gemia. Dormia e gemia.
Tinha o rapazinho que veio direto do treino do futebol porque levou uma entrada do amigo no tornozelo. O amigo, é claro, veio junto carregando a mochila e chuteira do outro.
Tinha a estagiária recém contratada no emprego novo, preocupadíssima em voltar logo para o trabalho.
Tinha a mocinha que comeu 3 bananinhas de paraibuna porque era o que o dinheiro dava para comprar na lanchonete. Essa era eu.
E tinha mais um mundaréu de gente impaciente (com razão) desfalecendo, tossindo, fungando, se contorcendo nas cadeiras, olhando toda hora para o painel das senhas.
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Bom, e falando em senha de atendimento, enfim fui para a triagem.
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- senhora, a febre está muito alta
- está? só sei que tudo dói
- vou colocar essa bolinha vermelha na ficha da senhora que é para sinalizar os casos mais graves
- então o meu caso é grave?
- a senhora tem 39,4° de febre
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Em menos de 20 minutos, eu estava sendo examinada pelo médico.
- o que te traz aqui?
- estou com os sintomas da gripe suína.... queria me certificar que não é
- mas você nem tem febre....
- não tenho?
- deixe me ver.... nossa, tem sim, tem sim.... vou te examinar.... dói aqui?
- um pouco
- e aqui?
- não
- assim dói?
- não muito
- sinusite não é.... vamos ver a garganta.... põe a língua pra fora...
- aaahhh
- mais uma pouquinho.... não tem nada, nenhum pus....
- a garganta é a única coisa que não dói
- agora os pulmões.... respira fundo.... mais uma vez..... de novo.... é, seu pulmão também tá limpinho
- mas então o que pode ser?
- é uma virose
- juuuuuura??
- vou te dar um medicamento para baixar essa febre – profenid intramuscular, tudo bem?
- tudo.... então eu não preciso me preocupar com a gripe suína?
- você tem todos os sintomas da gripe suína... é muito difícil dizer que não é
- como assim?
- eu posso te encaminhar pro Emílio Ribas, você fica no isolamento, mas se não tiver a gripe, você acaba pegando lá....
- então pode ser que eu esteja com o vírus?
- pode ser que sim, como poder ser que não
- mas e o tratamento??
- é melhor ficar no isolamento da sua casa, não é?
- claro que sim.... mas eu posso ir para casa assim?
- tente ficar sozinha por 72 horas, beba bastante líquido, não pegue friagem e tome este antigripal
- só isso?
- só.... melhoras para a senhora, qualquer coisa é só voltar aqui
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Senha 4041” – piscou o painel.

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- o que a senhora está sentindo?
- dor no corpo, dor de cabeça, calafrios, enjôo, muita coriza
- febre?
- sim
- tosse?
- muito pouco
- esteve no exterior nas últimas duas semanas?
- não.... anteontem estive aqui mesmo – com os mesmos sintomas
- é só a senhora aguardar na recepção que vão chamar pelo número da senha... o tempo para atendimento é de aproximadamente 2 horas.
- 2 horas?
- a procura está bastante alta... se o caso da senhora for considerado grave, será dada prioridade
- o meu caso é grave.... a triagem de anteontem colocou uma bolinha vermelha na minha ficha.
- minha senhora, por favor aguarde ser chamada
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Alguns minutos depois...
- quer dizer que a senhora esteve aqui na terça feira e acha que não melhorou nada?
- a febre abaixou, mas a dor de cabeça piorou muito
- consegue abrir os olhos?
- não
- sente tonturas?
- sim
- como a febre não está tão alta, vamos descartar a gripe suína
- mas será que pode ser alguma coisa além da gripe suína? Tipo sinusite, labirintite, otite, estalactite, Lilo & Stich, ou algo parecido?
- vou pedir um raio-x dos seios da face e um do pulmão, está bem? e também uma picadinha de corticóide
- ok
- e vamos aproveitar para fazer uma coleta da mucosa para exame, está bem?
- coleta da mucosa?
- nós encaminhamos direto para o laboratório de análises.... o resultado chega em até 15 dias
- resultado de quê?
- do vírus H1N1 – o da gripe suína
- ué, mas já não descartou essa hipótese?
- sim, mas você pode estar com o vírus
- ah tá – eu devo ser meio limitada... não entendo o que vocês falam...
- pode me acompanhar por favor, senhora
- pois não skavuska
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Quatro horas mais tarde, eu estava de volta em casa, com quatro chapas de radiografias, uma sinusite aguda, uma pneumonia leve, a receita do antibiótico, a mesma dor de cabeça que não me deixava abrir os olhos e a recomendação de cinco dias de repouso absoluto.
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Como faz falta o velho e bom médico de família. Especialidade em extinção.
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imagem 1: Obama_swine flu,

http://www.twitpic.com/443gg
imagem 2: bacon wallet a venda na http://shop.neatorama.com/
imagem 3: influenza vírus 3D
imagem 4: estampa de camiseta a venda na
http://shop.neatorama.com/
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14 maio 2009

o ego-self do caqui

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- muito bom esses caquis que você trouxe, Nina.
- que bom mãe...
- são caquis bem conscientes.
- eles pensam?
- os conscientes duram mais.
- sei... eles não ficam molengando, né mãe?
- conscientes, doces e firmes
- que virtude... eles devem trabalhar a mente
- é sim, Nina... foram os japoneses que trouxeram a semente....
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imagem: o caqui pensante foi retirado deste blog http://eugostodeumacoisaerrada.wordpress.com/
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04 maio 2009

vocabulário

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- mãe, olha como eu sou pláxido!!
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03 maio 2009

dente número um

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O primeiro dente que apontou na boca do Felipe foi uma notícia na família. Hoje, esse primeiro dente saiu, no meio do almoço, com uma pequena puxadinha minha.
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Felipe está radiante com o primeiro dente fora da boca. Todos os seus colegas de classe já perderam ao menos um deite de leite. Estava preocupado achando que a Fada-do-Dente havia se esquecido dos dentes dele.
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- mãe, você pode dormir comigo no meu quarto?
- claro que posso Fê.... mas por quê?
- é que se eu dormir na sua cama ela pode achar que o dente é seu.
- tem razão...
- e você tem que dormir no chão, tá?
- no chão?
- porque na minha cama tem que dormir o dono da cama e do dente.
- ah tá.
- e você pode ficar acordada até ela chegar?
- algo mais, chefe?
- explica para ela que eu quero mostrar o dente amanhã para os meus amigos da escola.
- tudo bem...
- então hoje ela deixa a surpresa na minha cama, mas não pode levar o dente.
- não pode?
- fala para ela buscar o meu dente amanhã de noite.... entendeu?
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02 maio 2009

amor de dois

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Querida amiga,
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Só a primeira frase do seu e-mail já é o suficiente para topar. "Eu fiz um livro". Você escreveu, colecionou, se emputeceu, se retirou, se lançou, o escambau. Você fez um livro, linha por linha, capítulo por capítulo. Você costurou as folhas desse livro. Será uma honra ter polvilhado um fermento, mesmo que ínfimo, nessa sua obra. Ter te reencontrado depois de 20 anos justamente no ano que esse livro se fez.
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Quando li "O ano do pensamento mágico" pensei em escrever sobre os 12 meses pós-morte do João. Para mim, todos esses meses já se passaram e hoje já não faz muito sentido correr para esse tempo. Acredite, tenho inveja da sua coragem por ter conseguido sobreviver os 365 dias do seu livro.
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bom domingo, boa leitura, boa xícara de chá
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nina
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imagem: Southern Heights II, Bea Danckaert
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29 abril 2009

o lanche de amanhã

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Lembro que meu uniforme do jardim de infância era um avental laranja com um grande bolso em formato de fatia de melancia. Esse bolso era especial, repleto de cacos ressecados de massinhas de modelar, punhados de areia, tocos de giz de cera. Era a morada de famílias de tatu-bolas, que eu tentava levar para casa todos os dias – e minha mãe os expulsava antes de entrar no carro, lá mesmo no portão da escola. Bolso de roupa de criança carrega sempre uma surpresa. Com o Felipe não podia ser diferente.
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Ontem, depois da escola, passei na Arpoar. É uma loja de roupas que eu adoro e o Fê faz cara de tédio. Ele tem o gene do pai.
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- Ficou bonito esse casaco na mamãe?
- Vamu embora, mãe. Tô com fome.
- Que cor você acha mais legal... vermelho ou roxo?
- Azul.
- Azul? Onde você viu o azul?
- Anda logo mãe....
- Só um minutinho Fê...
- ....
- Esse é o último cabideiro prá ver, tá?
- ....
- Ai ai, vou levar esse aqui mesmo.
- .....
- E aquele ali, você gostou?
- Mãe.... vamu logo....
- Já tô pagando, já tô pagando.
- É débito ou crédito? – perguntou a moça simpática da loja.
- Débito, por favor.
- Mãe, olha o que eu achei.
- O que é isso? Parece casca de árvore.
- Quer uma mordida?
- Mordida? Você tá comendo isso, Fê?
- É gostoso, mãe.
- Onde você pegou isso?
- Tava no meu bolso.
- Mas o que é isso?
- É carne seca.
- Carne seca?
- O Rafa trouxe no lanche.
- No lanche?
- Pode digitar a senha – interrompeu a moça segurando a risada.
- Fê, isso não é comida de cachorro não?
- A gente trocou. Eu dei um brigadeiro do meu lanche e ele me deu a carne seca.
- Carne seca de lanche? Nunca vi isso.
- Pergunta pra mãe dele onde que ela comprou.
- Por quê?? Você também quer levar carne seca de lanche?
- Eu quero.
- Putz Fê... jura mesmo?
- Eu vou guardar esse pro lanche de amanhã.
- Esse qual?? Tem outra carne seca aí??
- Ué mãe.... é uma pra cada bolso...
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o pedaço para o lanche de amanhã

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23 abril 2009

mãos dadas

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Ela quer confiar no seu passo.
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Olhe para mim ao menos uma vez.
Você não cuida de mim. Não segura na minha mão.
Eu estava me afogando.
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Ela quer ser vista.
Ela quer amor, colo não basta, teoria não serve.
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Ela pede uma resposta.
- Calaboca! Eu não quero falar disso!
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Ela quer uma reação.
Ele a reconheceu.
Ela sorri.
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13 abril 2009

supertramp

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Nesses últimos dias eu li A Cabana, de William P. Young. Eu tenho dessas coisas. Leio best-sellers e depois fico me questionando porque gastei tempo com isso. Eu gosto (escondido) dessas coisas popularescas. Quis saber quem ganhou o Big Brother, mesmo sem saber quem era o fulano.

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Nesses últimos dias eu assisti Into the Wild, dirigido pelo Sean Penn. Eu tenho dessas coisas. Demoro para passar na locadora e depois fico me perguntado porque enrolei tanto para assistir esse filme. A trilha é do Eddie Vedder – só isso já me bastaria.
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A Cabana e Into the Wild falam da mesma coisa – angústia, busca, perdão e liberdade. Falam de amor sem rebarbas. Um é piegas, outro é poesia. Um é ficção, outro é suor. Um é narrativa, não literatura. O outro é esforço, vivência lapidada.


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Eu acredito em Deus.

Não naquele que eu vejo, mas naquele que eu sinto.

No que não se modela, porque simplesmente, já existe e está.
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imagem 1: divulgação A Cabana, William P. Young, ed. Sextante

imagens 2 e 3: divulgação Into the Wild.

imagem 4: Christopher McCandless, o Alexander Supertramp.

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09 abril 2009

uma mulher, duas meninas e quatro ovos

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Eu era a segunda pessoa na fila do caixa. Atrás de mim, uma mulher com a minha idade passava as moedas de uma mão para outra, feito areia na ampulheta. Era uma daquelas lojas do Largo de Pinheiros que vende doces por atacado. Fui comprar as lembranças de Páscoa para as professoras do Felipe.
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- Será que esse ovo é gostoso? – a mulher perguntou erguendo dois ovos de páscoa de uma marca desconhecida.
- Eu não conheço – respondi fazendo pouco caso.
- São para as minhas vizinhas.
- Sei.
- Duas meninas tão boazinhas. A mãe delas sumiu.
- Que coisa não?
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Conforme abria um espaço no balcão do caixa, eu ia colocando as embalagens de bombom Nestlé.
- Eu não sei direito, mas acho que ela foi morar com algum namorado. Largou as meninas sozinhas.
- São pequenas?
- Seis e nove anos.
- Não tem mais ninguém morando com elas?
- Hoje elas vão embora pra Paraíba. A avó veio buscar.
- Elas não tem pai?
- Tem não. Faz mais de mês que a mãe largou as meninas. Ontem mesmo, fui eu que coloquei as roupas delas nas sacolas pra levar embora.
- Que triste isso.
- Enquanto elas viam televisão na minha casa a mais nova disse pro meu marido que queria encontrar a mãe antes da avó chegar. E que queria ganhar um ovo de páscoa da mãe. Meu marido mandou eu comprar um ovo prá elas antes de voltar pra casa. Tomara que dê tempo de entregar.
- Você não quer passar na minha frente? São só esses dois ovos, não é?
- Nossa moça, vou passar sim. A mãe eu não consigo trazer de volta, mas o ovo de páscoa eu posso dar. Aí elas podem ir comendo no caminho pro norte.
- Pode passar então.
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A mulher segurava os dois ovos em uma mão e as moedas na outra mão. Fiquei sem graça quando ela esbarrou desajeitada nas minhas caixas de bombom empilhadas no balcão do caixa.
- Desculpa moça.... eu fico pensando nas meninas.... na cara delas quando eu der o ovo... – imaginou a mulher com os olhos fundos e um sorriso raso.
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Rente à calçada um ônibus dá a partida. Destino: Olaria do Nilo.
- Ô motorista! Eu vou nesse aí! – gritou a mulher apressando o homem à sua frente que terminava de pagar as compras.
- São R$ 3,80 – disse o rapaz do caixa para a mulher.
- Moço, eu tenho R$ 3,50. Eu pego ônibus aqui todo dia. Eu pago o que faltar amanhã sem falta. É que eu preciso muito levar esses ovos.
- Pode deixar que eu pago – intervi sem pensar.
- Não moça, eu passo aqui todo o dia. Amanhã eu trago pra ele.
- Deixa que eu pago – repeti – e cobra mais esses dois aqui, por favor – disse apontando para os chocolates com embrulhos da Hello Kitty.
- Deus te abençoe, moça. Deus te abençoe.
- Esses vêm com brinde. As crianças gostam dessas coisas. Olha, o ônibus vai sair.
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Afobada, a mulher ensacou os quatro ovos e seguiu apressada em direção ao motorista que a esperava. Dentro do ônibus, antes de se sentar, abriu a janela e acenou:
- Boa Páscoa, dona! Boa Páscoa!
- Pra você também – respondi baixinho.
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imagem: Woman With Amphora, Henri Matisse
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