30 setembro 2010

masterpiece

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essa história me encanta
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29 setembro 2010

circo e política aos 7 anos

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- mãe, eu não sabia que tinha tanto kibe no Brasil.
- kibe?
- o careca tá falando de 10% do kibe do Brasil.
- não é kibe filho... é PIB.
- o que é píbi?
- produto interno bruto.
- ah tá.... isso dá prá comer?
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- essa Dilma é muito burra!
- por que você acha isso, filho?
- já acabou o tempo dela e ela continua falando.... o homem já disse que o tempo tá esgotado!
- será que ela é burra ou surda?
- as duas coisas... e ela é feia também.
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*- quantos anos o Lula tem, mãe?
- ih não sei...
- ele deve ser muito velho.... todo mundo fala que ele tem que sair porque já ficou muito tempo....
- acho que ele tem a idade da Bá.... deve ser uns 65, 66 anos.
- não é tão velho assim.... o Di(tchan) podia ser o presidente do Brasil, né mãe?
- você votaria nele?
- eu não posso votar ainda porque eu sou criança.
- mas se pudesse votar, votaria nele?
- claro que não né!.... quando eu ficar adulto o Di vai estar mega velhinho... e aí ele vai ter que sair.... de onde é que os presidentes tem que sair, mãe?
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- mãe, por que você não vota no Ben10?
- será que ele vai fazer alguma coisa boa pro Brasil?
- acho que não.... então você podia votar na voz dele, porque é a voz dele que fala que vai salvar o mundo.
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11 setembro 2010

imaginário infinito

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Um pescador resgatou uma gaivota que estava com a asa quebrada e encaminhou para uma equipe de biólogos no Guarujá. Ela teve a asa amputada, e depois de recuperada, foi devolvida para o seu bando na praia. Sem o impulso equilibrado de asas iguais, ela não conseguia mais pescar. Seus vôos não passavam de dois palmos do chão.
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Retiraram-na do bando e a levaram para o aquário da cidade.
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Depois de um período de quarentena, ela foi preparada para se adaptar às outras aves, no caso, os pingüins. Semelhantes à gaivota de asa amputada, os pingüins também não conseguem voar. A gaivota, junto com os pingüins de duas asas perfeitas, recebem sardinhas frescas na boca.*
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Ela já mora no aquário há alguns anos. Toda branca, é a atração bizarra no meio das penas pretas dos companheiros de passos curtos. Com uma placa ao lado do visor, explicando a história da asa amputada, todos querem tirar foto dela - no meio dos amigos, é claro.
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Entre ser morta, morrer de fome, ou virar bicho de estimação, não sabemos qual seria a melhor saída.

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Hoje ela recebe alimento balanceado, não é rejeitada por outros, tem água limpa à disposição, atendimento veterinário 24 horas. É vista como vitoriosa entre os humanos. A maior dificuldade dela foi a adaptação à temperatura. Do calor da praia para o gelado polar.

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(E talvez a lembrança de dias de sol e dias de chuva, em horizontes flutuantes de 360 graus.)

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Se ela está viva? Sim, recebe um zelo especial dos tratadores.
Quando ficar velha, doente, cansada, prestes a morrer, vai ser socorrida novamente, de volta à vida, tantas vezes quantas forem necessárias.
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Se ela preferia outro fim?
Talvez. 
Não sabemos.
Improvavél. Quem está vivo não quer outra coisa.
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Talvez, gaivota.
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imagem: Martha Rhoades-Spivey

http://www.mrsphotography.com/blog/wp-content/uploads/2010/08/_mrs0123-11.jpg
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10 setembro 2010

detetive

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- mãe, você conhece alguma história do Slockers Romers??
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06 setembro 2010

confissões 1

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- mãe, preciso conversar com a Bá.
- conversar?
- preciso contar uma coisa prá ela.
- contar o quê?
- sobre os pastéis que ela faz.
- o que tem os pastéis?
- eu não vou poder mais comer.
- por que não?
- pastel é fritura, e fritura é gordura.
- e daí?
- a gordura me deixa lento.
- você escutou isso na escola?
- eu não posso ficar lento, senão eu perco na corrida.
- gordura faz mal sim, mas o pastel da Bá é pequeno.
- e eu adoro o pastel dela...
- se você comesse só o pastel, aí sim faria mal.... mas você come outras coisas que fazem bem... não precisa se preocupar.
- não sei mãe... eu vou ter que falar com ela.
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confissões 2

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- eu odeio segunda-feira.
- eu também, mãe.
- por que você não gosta de segunda-feira?
- porque eu tenho tédio na escola.
- tem tédio?
- é mãe... aula de tédio.
- e o que é tédio?
- é quando a gente coloca todas as mesas no canto da sala e senta no chão para conversar sobre coisas importantes.
- e isso é sem graça?
- não... às vezes é até legal.
- então por que o tédio?
- porque depois que a gente senta no chão, não pode mais sair para fazer xixi.
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05 setembro 2010

sobre homens e figurinhas

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Desabafo do Felipe:
- Eu tenho tanta raiva do Sneijder que eu quero rasgar ele..... posso fazer um bigode nele?

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A Copa acabou dia 11 de julho. Depois de mais de um mês, Felipe achou uma figurinha no bolso da calça da escola. Uma calça que foi lavada, secada e passada, no mínimo, umas 15 vezes.
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- Mãe, por que não dá para rasgar essa figurinha brilhante da Espanha?
(...)
- Já sei mãe. Deve ser porque a Espanha foi campeã e por isso a figurinha ficou poderosa. Ou deve ser porque lavou e secou tantas vezes que ela ficou durinha e poderosa. Ou deve ser porque eu encostei o dedo no pastel e deixou o meu dedo escorregadio.
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humanidade

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Eu sou da casa 102. A Lourdes é da casa 56. A Vera, da casa 73. Hoje é o primeiro dia do feriadão de 7 de setembro. Nossa rua que já é uma travessa muito tranquila, está prá lá de sossegada.
Consersávamos sobre as mudanças no bairro, sobre a torre que vai subir às nossas costas, sobre o artista bonitão que mora na casa em frente, sobre a inquilina barulhenta que se mudou. Um papo de vizinhas sob sol intenso, próximo ao meio dia. São Paulo está cruelmente seca, rogando por chuva.
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De carro, a moradora da casa branca passa acenando. Ela vai para um casamento. Na calçada de cima, vejo o Casé, meu colega de faculdade, passeando com a filha. A conversa entre nós três segue sem preocupação.
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- A gente podia fazer uma reunião para ver se contrata um guardinha prá rua, né?
- Esse assunto é complicado. Na teoria todo mundo é a favor, mas na hora que mexe no bolso, aí o pessoal dá prá trás.
- E tem que pensar na guarita.
- No banheiro da guarita.
- Na comida e no café do guardinha.
- Ou melhor, dos guardinhas, porque vai ter que ser dois turnos...
- Nina, que cara é essa?
- Nossa, acho que tem uma pessoa passando mal - murmurei apontando para a esquina.
- Ai meu Deus, o cara tá convulsionando!
- Liga pro Samu. Alguém tá com o celular aí?
- O meu tá em casa.
- O meu também.
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Foi aí que a Vera entrou correndo na casa dela, que era a mais perto de onde conversávamos e saiu com o i-phone - gente, que número é o Samu? Discava e andava em passos largos em direção da pessoa caída. Eu e Lourdes fomos atrás.
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Quando nos aproximamos, o homem ainda tinha espasmos. Caíra de uma forma que a blusa cobrira seu rosto. Era um morador de rua. Olhei para a Lourdes, sem saber como agir. Fiquei sem ação justamente porque era uma pessoa pobre, com pele, cabelos e roupas sujas que exalavam urina. O preconceito bloqueou a minha iniciativa em tentar ajudar uma pessoa.
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Enquanto eu mantinha uma distância de pouco mais de um metro do homem no chão, Vera agachou-se ao lado dele, pressionando o celular entre a orelha e o ombro na insistência de contatar um socorro: ei, o que aconteceu com você? Com cuidado, ela descobriu o rosto desacordado. Usando as duas mãos, suspendeu ligeiramente a cabeça dele, pendurada para fora da guia e tentou reanimá-lo.
- Vou buscar uma água - saiu correndo Lourdes para sua casa.
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E eu, o que poderia fazer? Aquela cena era muito para mim. A espuma branca escorrendo pela boca do homem, me fez concluir que era algo grave. Lembrei do João caído no chão do meu quarto. Dos longos minutos que fiquei esperando pelo socorro, sem saber que movimento fazer, que palavra dizer, que rumo tomar. O sentimento onipresente é a da impotência, da percepção pobre que você é uma pessoa limitada - ora pela falta de vivência, ora pelo preconceito.
- Eu vou pegar o carro e chamar os bombeiros - prontificou-se Lourdes.
- Gente, desculpe, mas eu não dou conta disso - e saí caminhando em direção a minha casa.
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Dentro de casa, lembro ter dado três ou quatro respiradas fortes. Não posso ser tão covarde a ponto de dar as costas para isso. Talvez eu não consiga fazer o que a Vera está fazendo por um desconhecido, mas fechar os olhos porque o homem é um mendigo?
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Peguei o celular, liguei para 190, depois para 192, falei para o Felipe que estava em casa: fica aqui só um pouco porque tem um homem passando mal e a mamãe vai esperar a ambulância chegar. Depois eu te explico tudo. Dei o recado e voltei para a esquina.
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Vera ainda carregava a cabeça do homem, pacientemente, como que lhe dissesse pelas mãos que ele seria socorrido. Minutos depois, Lourdes chegou com os bombeiros. Cancelamos os chamados do Samu e da polícia.
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- Vocês conhecem ele? - perguntou um dos três bombeiros.
- Não.
- Vocês viram como ele caiu?
- Não, a gente só viu depois que ele caiu.
- Ele bateu a cabeça?
- Não sabemos.
- Parece ser algo neurológico. Não tem cheiro de bebida.
- Aquele vigia disse que ele sempre anda por aqui e que ele não bebe.
- Bom, a gente vai tratar como se tivesse um trauma. Vamos erguer e vocês empurram a maca. No três, ok?... Um, dois, três.

Lourdes e eu ajudamos a colocá-lo na maca. Foi o que eu pude fazer.
- Vocês vão levar ele para onde? - preocupou-se Vera.
- Hospital da Lapa. É o mais perto.
- O mais perto não é o Panamericano? - indagou.
- O Panamericano não aceita resgate assim. O cara é indigente. Tem que ser hospital público.
- E depois, o que acontece com ele?
- Alguém da família tem que ir buscar.
- Mas acho que ele não tem família em condições...
- Isso já não é mais problema nosso. A assistente social do hospital é que vê essas coisas.
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Voltamos para nossas casas em silêncio. Por um instante, chorei de vergonha. Talvez, sem a disponibilidade delas, não teria ajudado o homem. Passei o resto do dia pensando em como somos rasos diante do preconceito. À noite, mandei uma mensagem para a Vera agradecendo pelo ato tão natural, nobre e óbvio dela.
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