16 dezembro 2010

2011

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Li e reli a mensagem umas 5 vezes, sem parar.
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Li com a televisão ligada, Felipe jogando videogame, a tia reclamando do calor do Guarujá, a mãe fazendo palavras cruzadas, o turista do Japão mexendo nos brinquedinhos tecnológicos, um helicóptero resgatando alguém no mar.
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Dá para ver daqui do sofá a agonia do cara se afogando, precisando respirar, aquela multidão tirando o ar dele, roubando aquilo que é o mais caro para a vida dos outros; uma nova década começando, e repetindo, e repetindo, aquilo que nunca acaba; e a primeira coisa que eu vejo depois dos fogos é uma barata fugindo dos pés de outros.
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O bicho tentando sobreviver. Fogos nos céus. Lancei rosas para Iemanjá e nem sei quem ela é. Pedi coisas e mais coisas para essa mulher. Pedi para meus amigos, minha família, meu filho. Pedi para mim. Agradeci o básico, nada mais do que isso porque sou egoísta, tenho inveja da felicidade alheia e extrema. Ainda acredito na honestidade humana.
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Não subestimo ninguém. É muito simples achar que não dão conta. A gente não aguenta perceber para que a gente vem para esse mundo. A gente não aguenta.
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Bom 2010 para vocês. "Bom" porque se for ótimo, a gente não aguenta.
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Nina.

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Isso foi uma troca de emails entre amigos no reveillon de 2010.
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Espero sinceramente que 2011 seja diferente.
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imagem: Rosso Astratto, F. Cusumano.
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15 outubro 2010

fotografia

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nada no mundo, absolutamente nada, tem a graça do seu sorriso
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imagem: L'attesa, Gustav Klimt
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13 outubro 2010

hope and glory

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Oito mineiros foram resgatados até agora. São 8:06 horas. Vejo os mineiros saindo da cápsula de 53cm dando os primeiros passos, eufóricos, emocionados, aliviados, abalados. Sob os óculos escuros de proteção, imagino quais olhares ficaram registrados: desespero ou esperança?
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Na página da UOL, na sessão de entretenimento, há duas chamadas com links ativados:
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- BBB 11 -"Big Brother Brasil" define primeira participante da 11ª edição
e
- "A Fazenda" - Geisy e Dudu Pelizzari se juntam a Janaina Jacobina na Roça
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Aí eu penso na palavra confinamento. Penso naqueles participantes que se expõem para serem vistos em um jogo de TV, que saem chorando do programa dizendo que só quem passa por um confinamento sabe o que é realmente passar por isso.
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E eu fico com um sentimento de nojo, de repulsa, de desprezo, de indignação. Daqueles que produzem o show, daqueles que se promovem neles e dos outros que aplaudem sentados em seus sofás. Somos todos idiotas.
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Busco ávida a notícia do décimo mineiro a ser resgatado.
Preciso acreditar que as pessoas ainda valem a pena.
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12 outubro 2010

luz no fim do túnel

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O ser humano faz coisas abomináveis, mas também faz coisas maravilhosas.
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A edição da cobertura do Jornal das Dez, sobre o resgate dos 33 mineiros chilenos, foi finalizada com essa frase. Ainda faltam 30 deles, além dos socorristas que desceram, mas sabemos que é possível. Alívio enfim.
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Solidariedade, união, experiência, coragem e fé. Essas e mais tantas outras virtudes fazem homens comuns serem gigantes. Bravo!
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01 outubro 2010

planejamento do mês

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5 necessidades:
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- respirar as ondas de algum oceano ao menos uma vez a cada 2 meses
- ouvir outras línguas
- escrever o português corretamente
- assistir ou ler uma narrativa que surpreenda
- exterminar marias-fedidas, baratas, pernilongos, vespas e afins
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 5 metas:
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- limpar gavetas
- ser mais exigente
- ser menos criteriosa
- aceitar, na medida do possível, as pessoas rasas e burras
- indefinido
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imagem: Tortuga, 1901 / Juan Miro
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30 setembro 2010

masterpiece

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essa história me encanta
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29 setembro 2010

circo e política aos 7 anos

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- mãe, eu não sabia que tinha tanto kibe no Brasil.
- kibe?
- o careca tá falando de 10% do kibe do Brasil.
- não é kibe filho... é PIB.
- o que é píbi?
- produto interno bruto.
- ah tá.... isso dá prá comer?
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- essa Dilma é muito burra!
- por que você acha isso, filho?
- já acabou o tempo dela e ela continua falando.... o homem já disse que o tempo tá esgotado!
- será que ela é burra ou surda?
- as duas coisas... e ela é feia também.
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*- quantos anos o Lula tem, mãe?
- ih não sei...
- ele deve ser muito velho.... todo mundo fala que ele tem que sair porque já ficou muito tempo....
- acho que ele tem a idade da Bá.... deve ser uns 65, 66 anos.
- não é tão velho assim.... o Di(tchan) podia ser o presidente do Brasil, né mãe?
- você votaria nele?
- eu não posso votar ainda porque eu sou criança.
- mas se pudesse votar, votaria nele?
- claro que não né!.... quando eu ficar adulto o Di vai estar mega velhinho... e aí ele vai ter que sair.... de onde é que os presidentes tem que sair, mãe?
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- mãe, por que você não vota no Ben10?
- será que ele vai fazer alguma coisa boa pro Brasil?
- acho que não.... então você podia votar na voz dele, porque é a voz dele que fala que vai salvar o mundo.
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11 setembro 2010

imaginário infinito

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Um pescador resgatou uma gaivota que estava com a asa quebrada e encaminhou para uma equipe de biólogos no Guarujá. Ela teve a asa amputada, e depois de recuperada, foi devolvida para o seu bando na praia. Sem o impulso equilibrado de asas iguais, ela não conseguia mais pescar. Seus vôos não passavam de dois palmos do chão.
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Retiraram-na do bando e a levaram para o aquário da cidade.
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Depois de um período de quarentena, ela foi preparada para se adaptar às outras aves, no caso, os pingüins. Semelhantes à gaivota de asa amputada, os pingüins também não conseguem voar. A gaivota, junto com os pingüins de duas asas perfeitas, recebem sardinhas frescas na boca.*
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Ela já mora no aquário há alguns anos. Toda branca, é a atração bizarra no meio das penas pretas dos companheiros de passos curtos. Com uma placa ao lado do visor, explicando a história da asa amputada, todos querem tirar foto dela - no meio dos amigos, é claro.
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Entre ser morta, morrer de fome, ou virar bicho de estimação, não sabemos qual seria a melhor saída.

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Hoje ela recebe alimento balanceado, não é rejeitada por outros, tem água limpa à disposição, atendimento veterinário 24 horas. É vista como vitoriosa entre os humanos. A maior dificuldade dela foi a adaptação à temperatura. Do calor da praia para o gelado polar.

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(E talvez a lembrança de dias de sol e dias de chuva, em horizontes flutuantes de 360 graus.)

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Se ela está viva? Sim, recebe um zelo especial dos tratadores.
Quando ficar velha, doente, cansada, prestes a morrer, vai ser socorrida novamente, de volta à vida, tantas vezes quantas forem necessárias.
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Se ela preferia outro fim?
Talvez. 
Não sabemos.
Improvavél. Quem está vivo não quer outra coisa.
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Talvez, gaivota.
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imagem: Martha Rhoades-Spivey

http://www.mrsphotography.com/blog/wp-content/uploads/2010/08/_mrs0123-11.jpg
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10 setembro 2010

detetive

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- mãe, você conhece alguma história do Slockers Romers??
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06 setembro 2010

confissões 1

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- mãe, preciso conversar com a Bá.
- conversar?
- preciso contar uma coisa prá ela.
- contar o quê?
- sobre os pastéis que ela faz.
- o que tem os pastéis?
- eu não vou poder mais comer.
- por que não?
- pastel é fritura, e fritura é gordura.
- e daí?
- a gordura me deixa lento.
- você escutou isso na escola?
- eu não posso ficar lento, senão eu perco na corrida.
- gordura faz mal sim, mas o pastel da Bá é pequeno.
- e eu adoro o pastel dela...
- se você comesse só o pastel, aí sim faria mal.... mas você come outras coisas que fazem bem... não precisa se preocupar.
- não sei mãe... eu vou ter que falar com ela.
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confissões 2

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- eu odeio segunda-feira.
- eu também, mãe.
- por que você não gosta de segunda-feira?
- porque eu tenho tédio na escola.
- tem tédio?
- é mãe... aula de tédio.
- e o que é tédio?
- é quando a gente coloca todas as mesas no canto da sala e senta no chão para conversar sobre coisas importantes.
- e isso é sem graça?
- não... às vezes é até legal.
- então por que o tédio?
- porque depois que a gente senta no chão, não pode mais sair para fazer xixi.
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05 setembro 2010

sobre homens e figurinhas

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Desabafo do Felipe:
- Eu tenho tanta raiva do Sneijder que eu quero rasgar ele..... posso fazer um bigode nele?

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A Copa acabou dia 11 de julho. Depois de mais de um mês, Felipe achou uma figurinha no bolso da calça da escola. Uma calça que foi lavada, secada e passada, no mínimo, umas 15 vezes.
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- Mãe, por que não dá para rasgar essa figurinha brilhante da Espanha?
(...)
- Já sei mãe. Deve ser porque a Espanha foi campeã e por isso a figurinha ficou poderosa. Ou deve ser porque lavou e secou tantas vezes que ela ficou durinha e poderosa. Ou deve ser porque eu encostei o dedo no pastel e deixou o meu dedo escorregadio.
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humanidade

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Eu sou da casa 102. A Lourdes é da casa 56. A Vera, da casa 73. Hoje é o primeiro dia do feriadão de 7 de setembro. Nossa rua que já é uma travessa muito tranquila, está prá lá de sossegada.
Consersávamos sobre as mudanças no bairro, sobre a torre que vai subir às nossas costas, sobre o artista bonitão que mora na casa em frente, sobre a inquilina barulhenta que se mudou. Um papo de vizinhas sob sol intenso, próximo ao meio dia. São Paulo está cruelmente seca, rogando por chuva.
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De carro, a moradora da casa branca passa acenando. Ela vai para um casamento. Na calçada de cima, vejo o Casé, meu colega de faculdade, passeando com a filha. A conversa entre nós três segue sem preocupação.
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- A gente podia fazer uma reunião para ver se contrata um guardinha prá rua, né?
- Esse assunto é complicado. Na teoria todo mundo é a favor, mas na hora que mexe no bolso, aí o pessoal dá prá trás.
- E tem que pensar na guarita.
- No banheiro da guarita.
- Na comida e no café do guardinha.
- Ou melhor, dos guardinhas, porque vai ter que ser dois turnos...
- Nina, que cara é essa?
- Nossa, acho que tem uma pessoa passando mal - murmurei apontando para a esquina.
- Ai meu Deus, o cara tá convulsionando!
- Liga pro Samu. Alguém tá com o celular aí?
- O meu tá em casa.
- O meu também.
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Foi aí que a Vera entrou correndo na casa dela, que era a mais perto de onde conversávamos e saiu com o i-phone - gente, que número é o Samu? Discava e andava em passos largos em direção da pessoa caída. Eu e Lourdes fomos atrás.
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Quando nos aproximamos, o homem ainda tinha espasmos. Caíra de uma forma que a blusa cobrira seu rosto. Era um morador de rua. Olhei para a Lourdes, sem saber como agir. Fiquei sem ação justamente porque era uma pessoa pobre, com pele, cabelos e roupas sujas que exalavam urina. O preconceito bloqueou a minha iniciativa em tentar ajudar uma pessoa.
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Enquanto eu mantinha uma distância de pouco mais de um metro do homem no chão, Vera agachou-se ao lado dele, pressionando o celular entre a orelha e o ombro na insistência de contatar um socorro: ei, o que aconteceu com você? Com cuidado, ela descobriu o rosto desacordado. Usando as duas mãos, suspendeu ligeiramente a cabeça dele, pendurada para fora da guia e tentou reanimá-lo.
- Vou buscar uma água - saiu correndo Lourdes para sua casa.
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E eu, o que poderia fazer? Aquela cena era muito para mim. A espuma branca escorrendo pela boca do homem, me fez concluir que era algo grave. Lembrei do João caído no chão do meu quarto. Dos longos minutos que fiquei esperando pelo socorro, sem saber que movimento fazer, que palavra dizer, que rumo tomar. O sentimento onipresente é a da impotência, da percepção pobre que você é uma pessoa limitada - ora pela falta de vivência, ora pelo preconceito.
- Eu vou pegar o carro e chamar os bombeiros - prontificou-se Lourdes.
- Gente, desculpe, mas eu não dou conta disso - e saí caminhando em direção a minha casa.
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Dentro de casa, lembro ter dado três ou quatro respiradas fortes. Não posso ser tão covarde a ponto de dar as costas para isso. Talvez eu não consiga fazer o que a Vera está fazendo por um desconhecido, mas fechar os olhos porque o homem é um mendigo?
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Peguei o celular, liguei para 190, depois para 192, falei para o Felipe que estava em casa: fica aqui só um pouco porque tem um homem passando mal e a mamãe vai esperar a ambulância chegar. Depois eu te explico tudo. Dei o recado e voltei para a esquina.
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Vera ainda carregava a cabeça do homem, pacientemente, como que lhe dissesse pelas mãos que ele seria socorrido. Minutos depois, Lourdes chegou com os bombeiros. Cancelamos os chamados do Samu e da polícia.
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- Vocês conhecem ele? - perguntou um dos três bombeiros.
- Não.
- Vocês viram como ele caiu?
- Não, a gente só viu depois que ele caiu.
- Ele bateu a cabeça?
- Não sabemos.
- Parece ser algo neurológico. Não tem cheiro de bebida.
- Aquele vigia disse que ele sempre anda por aqui e que ele não bebe.
- Bom, a gente vai tratar como se tivesse um trauma. Vamos erguer e vocês empurram a maca. No três, ok?... Um, dois, três.

Lourdes e eu ajudamos a colocá-lo na maca. Foi o que eu pude fazer.
- Vocês vão levar ele para onde? - preocupou-se Vera.
- Hospital da Lapa. É o mais perto.
- O mais perto não é o Panamericano? - indagou.
- O Panamericano não aceita resgate assim. O cara é indigente. Tem que ser hospital público.
- E depois, o que acontece com ele?
- Alguém da família tem que ir buscar.
- Mas acho que ele não tem família em condições...
- Isso já não é mais problema nosso. A assistente social do hospital é que vê essas coisas.
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Voltamos para nossas casas em silêncio. Por um instante, chorei de vergonha. Talvez, sem a disponibilidade delas, não teria ajudado o homem. Passei o resto do dia pensando em como somos rasos diante do preconceito. À noite, mandei uma mensagem para a Vera agradecendo pelo ato tão natural, nobre e óbvio dela.
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31 agosto 2010

uma pausa na felicidade

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em casa, uma vela está acesa
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25 agosto 2010

montevideo

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Fui para terapia e contei tudo o que aconteceu em Montevideo. Ao fim da sessão, minha psicóloga concluiu: Nina, foi uma viagem libertadora, não foi?
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Com os dedos entrelaçados sobre a barriga, concordei com a cabeça, emocionada e feliz.
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Fomos em quatro viajantes. Cada um teve uma impressão diferente da cidade.
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Apesar da sujeira nas ruas, da vida pacata, do povo empobrecido, da arquitetura sem restauro, do menino tentando roubar o Marcos, para mim, o saldo das lembranças ainda é muito positivo.
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Positivo porque fui na companhia de meus melhores amigos, provei (por duas vezes) a parrilla uruguaia, bebi a uvita, filei um gole de Patrícia, ouvi boa música, segui pela Avenida 18 de Julho sem ter hora para voltar, descansei as pernas em um banco na Rambla de Pocitos.
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Trago de lá a imagem de braços maternando garrafas térmicas, o Rio del Plata cercando o asfalto, plátanos em linha preparando-se para a próxima estação, a reverência do povo perante à Celeste seleção, o duelo amigo do Baar Fun Fun versus La Ronda.
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Em quatro dias de viagem, Montevideo surgiu em pouco mais de 5 horas - não mais que isso pela primeira vez. No restante do relógio da livraria Puro Verso, a cidade reapareceu em cada saudação dito hola, nos finos detalhes das pesadas portas-balcão, no ar másculo e quente do Mercado del Puerto, no brilho laranja dos pomelos, no lugar comum dos chivitos, nas cúpulas e cúpulas e cúpulas vistas de baixo para cima. Passeo lindo, passeo lindo - era o som da porta do hotel se fechando às nossas costas.
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Na falta de escutar o espanhol, Drexler tem me acompanhado no trânsito em SP.
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No somos más / que una gota de luz,
una estrella fugaz / una chispa, tan sólo,
en la edad del cielo.
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Marcos, Tato, Juliana, gracias por estes dias.
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besos,
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nina
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un camino, una frontera

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(...)
No tengo muchas verdades,
prefiero no dar consejos,
cada cual por su camino,
igual va a aprender de viejo.
(...)
trecho de Frontera / Jorge Drexler
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doses de uvita, patenteada pelo Baar Fun Fun

**cartão postal da cidade

**Carlos Gardel uruguaio em preto e branco no Baar Fun Fun

*vinho Vudu em caixa longa vida!?!

**mercado em Ciudad Vieja

**feira de antiguidades - Plaza Matriz

*parrillada no El Palenque - Mercado del Puerto

*domingo em Pocitos

*bife ancho do El Palenque

** * jogo americano pré chivito

* Avenida 18 de Julho

*mate para nerviosos

* *porque devemos olhar para cima

*praça principal de Montevideo

*carro da barbie uruguaia

*lindo Solís - construído em meados de 1850

* calle Paraguay

* vista da janela do hotel

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(...)

Mira

por la ventanilla,

verás mi rosto alenjándose.

Hay quien dice que el camino

te enseña cosas; yo no lo sé.

(...)

trecho de Alto el Fuego / Jorge Drexler

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