26 setembro 2008

eu estou ecofriendly, você está ecofriendly?

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Quando eu era criança, para comprar uma cerveja ou um refrigerante, tinha que levar vasilhame para o supermercado. Se tivesse festa, a gente juntava vasilhame das casas dos tios, dos vizinhos, de quem fosse para poder comprar bastante bebida. E todo mundo emprestava, mesmo quem não tivesse sido convidado para a festa. Depois a gente devolvia a garrafa vazia para os donos camaradas. Era uma coisa bem solidária.
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Eu lembro que o balcão dos vasilhames ficava ao lado do guarda-volumes, os dois do lado de fora do supermercado. Era lógico o sistema. A gente chegava carregando as garrafas nas sacolas de feira, deixava as garrafas vazias e guardava as sacolas, também vazias, nos escaninhos do guarda-volumes. Não se entrava no supermercado com sacola vazia, para que a luxúria-avareza-gula não se manifestasse durante as compras. Era para o nosso próprio bem. Na hora de embora, levava tudo cheio: garrafas, sacolas, mãos e moral.
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Hoje o ritual é outro.
Primeiro que sacola de feira é fashion. Chama ecobag. É feita de fibra de semente de carnaúba do noroeste do amazonas, do lado brasileiro para bem dizer. Próximo lá da tribo xexêba. A fibra não vem da cultura extrativista. Ela é derivada do bagaço do cocô da vaca leiteira. Tudo tão bem lavado, que nem cheira mal.
O segundo ponto é que hoje a gente coloca os vasilhames nos conteiners, ou recipientes, ou caixotes pintados com cores primárias e com desenho de flechinhas, tipo um Orobouros, só que triangular. Tudo para ser reciclado. E outra, vasilhame é palavra antiga – agora é ecopet.
O terceiro quesito diz que é correto a gente entrar nos supermercados com as tais sacolas vazias. Quanto mais ecobags, mais consciente você é. Na sua carteirinha de vida vão ter várias estrelinhas do titio Deus dizendo que deixou um mundo melhor para as nossas crianças.
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Dito isso, eu estava na fila do caixa do pão-de-açúcar da panamericana. Na minha frente, estava o casal cidadania exemplar. Cada um carregava três ecobags. Sério gente, três! Uma em cada ombro e a terceira na mão direita. Os dedos estavam gangrenando, mas o reconhecimento valida o esforço. Quase pedi para tirar uma foto com eles.

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A moça foi passando as compras e o moço foi tirando a embalagem daquilo que já tinha sido registrado. Tchau caixa de sucrilhos, tchau plástico que envolve 6 latas de coca zero, tchau caixa de tampax... péra aí... o cara tá abrindo caixa de tampax??
Tem dó, né pessoal! Ainda bem que a moça falou “não môôrrr, é melhor levar esse na caixa mesmo”.
A moça parecia mais sensata. As ecobags dela eram bem discretas, bem costuradas por sinal. Não tinha marca, só estava escrito Raia de Goeye. É raio de sol em espanhol. Gente chique. Agora os do moço, tinha umas âncoras, uns pontos de crochê desenhados, cor de bandeira dos EUA, gosto duvidoso. No meio, dava para ler Yatchsman. Deve ser ecobag em inglês, né?
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Tchau embalagem disso e daquilo e foi me dando uma ziquezira animal. Nas compras do casaleco, digo eco-casal, tinham sete latas de batata pringles, suco canadense de romã e uva, pipoca de microondas igual de cinema, confeitos de amêndoas portuguesas, quatro tabletes do lindor milk, marzipan alemão, dois pacotes de café spress....
Putz, tudo o que eu a-do-ro, mas que não dá coragem de comprar porque eu prefiro comer todos os dias até o próximo salário.
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Nada de coisa básica gente. Nada. Não tinha uma frutinha sequer (nem das secas), um repolhinho, um nabinho, um alpistezinho, um leitinho, um peixinho... Essas coisas podem sujar as ecobags e deixam elas fedidas. Aí tem que jogar fora e comprar outro. Definitivamente, isso é anti-ecológico.
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Chegou a minha vez e vou encaixotando as compras. Não uso os saquinhos - não sou tão poluidora assim - sou adepta das caixas de papelão que ficam dando sopa. Na real, coisas encaixotadas são mais práticas para tirar do carro.
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- desculpa, você pode me dar uma licencinha?
Era o moço do eco-casal-camelo que voltou carregando tudo com os dedos gangrenados.
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- pois não, respondi educadamente
- é rapidinho, viu...?
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Eu achava que ele tinha esquecido de carimbar o papel do estacionamento. Engano meu. Ele apoiou a sacola brega dele em cima das minhas compras e cochichou no ouvido da mulher do caixa. Ela deu um punhado de saquinho de embalagens, aqueles que a gente empacota as compras do supermercado, aqueles que quem leva ecobag é justamente para não usar.... sabe?? Ele pegou com os dedos gangrenados, enfiou na ecobag e foi embora.
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- é que acabou os saquinhos de lixo da casa dele disse a mulher do caixa.
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imagem 1: Cow, de Andy Warhol
imagem 2: Play with your Food, de Elffers & Freyma
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8 comentários:

Dani K disse...

muito boa a crônica, Nina. :)
(mas ó, ecologicamente correto por ecologicamente correto, acho que o que o tanto de combustível que as delícias importadas do casaleco gastam pra chegar aqui também não é nada ecofriendly)

As minhas ecobags são feitas pelo moço que vende na porta do super e eu acho ótemas.

Dia desses eu vi uma dona com uma dessas espalhafatosas no ombro (que tem a grife e aqueles slogans tipo 'ei, eu não sou de plástico') e metendo as compras em um zilhão dos saquinhos do super mesmo. Deu vontade de fotografar a cena.

beijos pra você

Anônimo disse...

Ah, Nina, me deu saudade do tempo em que a gente pegava emprestado garrafas e engradado...Do tempo das compras de criança...

Anônimo disse...

Dani,
tem gente que leva tão ao pé da letra que vira motivo de piada...
a gente tem que mudar hábitos, não somente ficar na moda, não é?
beijo grande
beijo nas meninas
nina

Anônimo disse...

ihhh Mani... a gente é do tempo do onça mesmo.... saudades, saudades

beijo
nina

Luci disse...

Nina, vc. é show!
dedos gangrenando... ótimo!
o mundo acabou e não nos avisaram!
só pode!
bj!

Anônimo disse...

é Luci... fim dos tempos lúcidos!!
rumo à marte!!
bj
nina

Rita de Cássia disse...

Huauauauau, ^Tipo tô aqui me acabando de rir....
Muito engraçada mesmo esta moda de ecobags.... E sempre que posso utilizo caixas de papelão, que são facéis de transportar e como em minha cidade tem coleta seletiva, vão parar no lixo reciclável. Mas não faço por modismo. Tem um pouco de consciência e também comodidade. Mas tem gente que psa para as cameras nesta onda mesmo.... Ótimo texto!!

nina disse...

oi Rita,
só rindo para aguentar o mundo de hoje... só rindo!
esteja sempre por perto!
beijo
nina