09 abril 2009

uma mulher, duas meninas e quatro ovos

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Eu era a segunda pessoa na fila do caixa. Atrás de mim, uma mulher com a minha idade passava as moedas de uma mão para outra, feito areia na ampulheta. Era uma daquelas lojas do Largo de Pinheiros que vende doces por atacado. Fui comprar as lembranças de Páscoa para as professoras do Felipe.
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- Será que esse ovo é gostoso? – a mulher perguntou erguendo dois ovos de páscoa de uma marca desconhecida.
- Eu não conheço – respondi fazendo pouco caso.
- São para as minhas vizinhas.
- Sei.
- Duas meninas tão boazinhas. A mãe delas sumiu.
- Que coisa não?
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Conforme abria um espaço no balcão do caixa, eu ia colocando as embalagens de bombom Nestlé.
- Eu não sei direito, mas acho que ela foi morar com algum namorado. Largou as meninas sozinhas.
- São pequenas?
- Seis e nove anos.
- Não tem mais ninguém morando com elas?
- Hoje elas vão embora pra Paraíba. A avó veio buscar.
- Elas não tem pai?
- Tem não. Faz mais de mês que a mãe largou as meninas. Ontem mesmo, fui eu que coloquei as roupas delas nas sacolas pra levar embora.
- Que triste isso.
- Enquanto elas viam televisão na minha casa a mais nova disse pro meu marido que queria encontrar a mãe antes da avó chegar. E que queria ganhar um ovo de páscoa da mãe. Meu marido mandou eu comprar um ovo prá elas antes de voltar pra casa. Tomara que dê tempo de entregar.
- Você não quer passar na minha frente? São só esses dois ovos, não é?
- Nossa moça, vou passar sim. A mãe eu não consigo trazer de volta, mas o ovo de páscoa eu posso dar. Aí elas podem ir comendo no caminho pro norte.
- Pode passar então.
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A mulher segurava os dois ovos em uma mão e as moedas na outra mão. Fiquei sem graça quando ela esbarrou desajeitada nas minhas caixas de bombom empilhadas no balcão do caixa.
- Desculpa moça.... eu fico pensando nas meninas.... na cara delas quando eu der o ovo... – imaginou a mulher com os olhos fundos e um sorriso raso.
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Rente à calçada um ônibus dá a partida. Destino: Olaria do Nilo.
- Ô motorista! Eu vou nesse aí! – gritou a mulher apressando o homem à sua frente que terminava de pagar as compras.
- São R$ 3,80 – disse o rapaz do caixa para a mulher.
- Moço, eu tenho R$ 3,50. Eu pego ônibus aqui todo dia. Eu pago o que faltar amanhã sem falta. É que eu preciso muito levar esses ovos.
- Pode deixar que eu pago – intervi sem pensar.
- Não moça, eu passo aqui todo o dia. Amanhã eu trago pra ele.
- Deixa que eu pago – repeti – e cobra mais esses dois aqui, por favor – disse apontando para os chocolates com embrulhos da Hello Kitty.
- Deus te abençoe, moça. Deus te abençoe.
- Esses vêm com brinde. As crianças gostam dessas coisas. Olha, o ônibus vai sair.
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Afobada, a mulher ensacou os quatro ovos e seguiu apressada em direção ao motorista que a esperava. Dentro do ônibus, antes de se sentar, abriu a janela e acenou:
- Boa Páscoa, dona! Boa Páscoa!
- Pra você também – respondi baixinho.
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imagem: Woman With Amphora, Henri Matisse
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5 comentários:

ailton demarqui alves disse...

As vezes eu deixo de acreditar completamente na humanidade e em todas as suas possibilidades...

Voce sempre me devolve a certeza de que podemos transcender nossas limitacoes...

Obrigado e feliz pascoa!

beijos

ailton

Mani disse...

Querida, a gente nunca sabe o que há no outro, até o momento em que a gente se permite ver...Voce é doce, querida. Muito doce.

Sweet bug disse...

Your Post has warmed my heart.Your act was very touching. Thank you!! And a very very Happy Easter for you and all your dear ones.

Marcos disse...

São nesses pequenos gestos que se faz toda a diferença. Com certeza a Páscoa dessas crianças será especial e talvez inesquecível.
Beijo e uma Feliz e doce Páscoa pra você e pro Fê!

erica disse...

E quando você vai sair do armário e assumir que é escritora?